Eu vinha levando as coisas tranquilamente desde muito tempo; conseguia fingir que estava bem. Mas as coisas começaram a sair do controle naquela viagem que fiz, como havia dito "Postando quando não deveria, e nem com muita vontade..."
Sempre fingi ser hetero, e mesmo andando com muitas garotas e sem ficar com nenhuma delas, os outros me consideravam hetero [até onde eu saiba]. Convivia de uma maneira meio distante dos outros caras, conversava um pouco com Pikachu no inglês, um pouco com Ciro nos intervalos, mas nada que se possa dizer de uma amizade propriamente dita. Mas naquela viagem, tendo que sentar do lado deles no ônibus, dormir com eles no mesmo quarto, acabei me aproximando mais. Não, não acabei me apaixanando. Vivi uma vida de hetero sem máscaras. E gostei. Não fiquei com nenhuma garotas, mas fazer todas aquelas merdas que eles fazem me dera uma certa tranquilidade. O contraste entre minha mentira e a realidade começava a se agravar.Mas fui levando.
Quase um mês depois, teve o churrasco de despedida do americano que estava na minha classe. Foram, além da classe, de outras pessoas da cidade, um casal de canadenses, um londrino, um australiano, outro americano e talvez um outro que não lembro da onde. Todos lindos. E como toda festa, ela estava regada a alcóol. Nesse meio tempo, Goiânia começou a namorar. Isso foi um golpe para mim, não por eu não querer vê-la com outros caras e ser feliz, gostar dela como mulher ou outras coisas do gênero, mas por ter ficado para trás, abandonado. Quando saíamos, era sempre Goiânia, Bebidas e eu. Algumas vezes tinha outras garotas, mas elas não ficavam só conosco. Bebidas sempre ia ficar com outros garotos, não parava quieta. Logo, sobravam Goiânia e eu. Mas com o namorado dela, ou eu ficaria segurando vela, ou procuraria outra companhia. Um namorado? Não, não aqui. Talvez muitos ainda não entendam o fato de eu fazer de tudo para me manter no armário. Bom, minha família é daquelas católicas praticantes, vão à missa todos santo domingo, ou seja, seguem as regras do Vaticano. Minha mãe já até avisou que "prefere ver seus filhos mortos a saber que são homossexuais". Sei que ela não vai me matar, mas vai fazer algum estrago em minha vida. Além disso minha cidade é extremamente pequena, há poucos lugares para sair, e as notícias correm mais rápido que a luz. As pessoas fazem comentários degradantes sobre os gays daqui, e uma vez já ouvi dizerem que "deveria haver pena de morte" para nós. Meus próprios amigos são homofóbicos. Mas não faço tudo isso por causa deles, para protegê-los. Faço tudo para sair daqui, fazer faculdade de dar adeus à essa vida. Sei que não haverá a tão sonhada liberdade, mas serei dono do meu nariz. Mas quem vai me sustentar durante todo esse tempo? Meus pais, logo, tenho que ser como eles querem que eu seja. Por isso eu nunca tentei algo a mais com Pikachu ou Ciro, por isso sempre fui "mole", mas era preciso. Voltando à festa, estava eu lá sozinho, enquanto Goiânia conversava com o namorado pelo celular. Então fui pegar mais refrigerante [havia decidido a não tomar alcóol nesse ano]. Então Vovó me chama e diz para ajudá-la a criar alguma batida. Ajudo, e faço a minha. Vodka com vinho, limão, açúcar e um pouco de refigerante. Vai um copo, dois, três... Não havia problema em beber, já estava todo mundo tombado, eu estava sozinho, algumas vezes conversando com outros. Sentia-me deixado para trás, assim como o Brian quando Michael casou-se com o Ben, no seriado Queer as Folk. Quatro, cinco, seis copos... Lembro somente até o oitavo copo. O alcóol já fazia seus efeitos. Estava bêbado, anestesiado, não pensava e sentia nada daquilo que acabei de escrever. E como um bom bêbado, fiz as minhas cagadas. Após descer uma ladeira sentado num pedaço de papelão, minha memória se apaga. Tanto melhor, assim não lembro se fiz algo de pior. Recobro a lucidez um tempo depois [já era noite] com Digão tirando meu copo dizendo que eu já havia bebido demais. Pouco tempo depois estava no banheiro do clube vomitando. E bastante, era puro vinho e vodka. E a festa já estava terminando. Não podia voltar para casa naquele estado. Meus pais acham [ainda] que sou um anjo perfeito que não dá seus pulos no inferno. Miojo me levou para casa dela, sob o olhar de ódio de seu namorado [ele me odeia]. Lá vomitei mais. Em casa, tomei um banho e dormi. Acordei no meio da noite com a bexiga estourando, e um leve dor de cabeça.
De manhã, nada de ressaca física, só moral. Só aí percebi a merda que havai feito. Não bebi para estar alegre com meus amigos, para festeja nem nada. Bebi para afogar minha tristeza latente. Não sei se esse acontecimento antecipou ou não a depressão que viria, mas foi a partir daí que perdi minhas forças. Aqui no blog, já não encontrava conforto, mesmo porque eu já estava deslocado. Vivia uma vida hetero no mundo "real" e gay no "virtual". mas será que eu era realamente gay? Nunca fiquei ou transei com outros caras. Tecnicamente eu não era. E como poderia eu comentar no blog dos outros sobre algo que nunca vivi? Como dizem, sou uma criança ainda. Mas uma criança tentando viver um mundo de adultos, um mundo ao qual não pertenço. E confesso que sentia inveja dos outros blogayros. Não aquela inveja que deseja a desgraça alheia, e nem estou falando que a vida de todos são mil e uma maravilhas, mas eu não podia ter algo que a maioria tinha.
Havai perdido a confiança em mim, a vontade de continuar no blog. E pela Lei de Murphy, esse era o momento propício para dar tudo errado: começaram as semanas de provas. Desde alguns dias antes já havia entrado em estado de prostração total, mas ter que estudar como um condenado piorou meu espírito. Era tantas provas e trabalhos para entregar que havia dias em que eu dormia somente três horas. Em depressão, abandonei a companhia de meus amigos e me isolei. Foi aí que publiquei o post "O Crepúsculo dos Deuses"; quase decidido a abandonar o blog. Passei a me alimentar mal também, emagreci um pouco e como naquela máxima [grega?] "Mente sã, corpo são", adoeci. Era inverno e sempre tive facilidade para pegar resfriado. Pois bem, peguei um. Que evoluiu para gripe, e que foi para algo mais sério. Mas eu ligava? Não, para quê? Tanto melhor se a doença me consumisse por inteiro. Muitas vezes fui para a aula ardendo de febre. E para piorar ainda mais, meus pais me pressionavam para eu fazer os vestibulares de inverno, que eram todos fora do estado, o que ia contra meus planos de ir para São Paulo.
Então, veio Julho, férias! Para mim não. Tive que ficar dias em pleno repouso e tomando antibiótico. Passava o dia inteiro ou estudando ou dormindo. Decidi que ia sacrificar até a minha última gota de sangue para passar no vestibular. Mas em que curso? Não estava decidido. Qualquer coisa valia, pois para quem está na bosta, mais uma cagada não faz diferença. Não saí, não entrei na internet, não fiz nada. E o blog ia completar um ano. Ficava me perguntando se postaria algo nessa data. Ora dizia que sim, ora dizia que não. No dia, queimando de remorso por não escrever nada no aniversário de algo que me acompanhou durante um ano e me deu amigos, resolvi publicar algumas palavras. Foi o último post meu: o remorso estava aliviado, e eu poderia descansar em paz.
O que se seguiu foi minha perdição. Passei a estudar com todas as minhas forças, até durante os intervalos. Perdi o contato com os amigos. Deixei de sair. Recebi críticas por me dedicar tanto. Algumas vezes pensava em beber, encher a cara até transbordar para poder fugir deste mundo. Foram meses de pura inércia. No final de setembro, recobrei um pouco do ânimo e voltei a entrar no MSN. Em outubro, no meu aniversário, meus amigos fizeram uma festa surpresa para mim, mas nem assim fiquei alegre quanto deveria: voltar a ser um "garoto que vivia sorrindo", como Goiânia dizia. Mas um garoto que realmente sorria por estar feliz ou para manter o seu papel social na vida? Talvez eu seja realmente a pessoa fria e sem sentimentos como alguns pensam.
Em Novembro, começaram os vestibulares. No primeiro não fui bem, por vários fatores. No segundo, consegui ir melhor do que eu esperava. Mas nem todos vêem isso. Voltando da prova, pergunto aos meus pais onde ficarei para poder fazer a segunda fase. O que meu pai responde? "Isso se você passar..." com um tom de certeza de derrota e ironia. Aquilo foi um golpe no estômago. Eu havia passado para a segunda fase do curso mais difícil do país, direto do 3º colegial, e eles, que deveriam me apoiar, nem acreditavam em mim?! Como alguns disseram no MSN, eu não devia dar ouvidos a isso. Mas são meus pais, sacrifiquei me durante um ano, perdi amigos, meu blog, fiz o que podia e não podia para ter aquele resultado e não me falaram nenhum "Parabéns!" ou um sorriso?!
Estava sem amigos, isolado, cansado, sem esperanças.
Ontem foi minha formatura. Aos poucos fui tentando voltar a me relacionar com os outros, mas as coisas talvez não voltem a serem as mesmas. Estavam os garotos de terno e gravata, e as garotas, de vestido longo. Uma decoração perfeita. Ri bastante, tirei muitas fotos, e dancei funk até o chão com Naty. Após a colação de grau, quando todos estavam se abraçando e se parabenizando, olhei para tudo ao redor e vi que talvez o sacrifício tenha valido a pena.
Ao abraçar Miojo, quase chorando:
- Miojo, me desculpa por tudo esse ano?
- Não, Du, me desculpa por não entender por que você estudou tanto.
Não foram bem essas palavras, mas esse foi o sentido. Sempre dizia a ela que era para ela estudar e deixar a organização da formatura de lado. Foi ela que, praticamente, organizou a festa. Mas para isso não estudou o ano inteiro. Em algumas matérias é capaz de ser reprovada. Mas me dou conta agora do que meu venerável professor de redação dizia, que eu e Miojo somos totalmente contrários. Analisando bem, nós dois fizemos sacrificios antagônicos. Eu sacrifiquei minha vida social para me dedicar ao estudos e ela sacrificou os estudos para dedicar-se ao social.
Ao estar em cima do palco do salão, com toda a classe para tirar uma foto, olhando todas as mesas, repletas de pessoas, lembrei do blog, dos amigos que tenho aqui e das palavras que tanto me reconfortaram em vários momentos. Então decidi que era hora de voltar, de fazer algo. Talvez isso seja uma forma de curar o arrependimento. Estou arrependido? Sim, não tenho verginha de dizer. Arrependo-me de grande parte de minhas ações. Mas isso não quer dizer que desejo voltar ao passado e mudá-las, pois nada garante que eu poderia melhorar ou piorar o futuro. E arrependimento pode sim andar ao lado do orgulho: orgulho-me das ações e escolhas que fiz.
Amanhã estou indo para São Paulo fazer novamente a Nouryoku Shiken, a Prova de Proficiência em Lingua Japonesa que eu havia prestado ano passado, mas dessa vez será em um nível mais dificil.
E ainda não terminaram os vestibulares, tem as segundas fases.
É, talvez eu esteja voltando ao normal.
Talvez a vida flua, agora, como deve fluir.
Torçam por mim!
Abraços